segunda-feira, 24 de maio de 2010

SAÚDE DO TRABALHADOR

O TRABALHO E A SAÚDE DO TRABALHADOR

Desde a Grécia antiga aos dias atuais o trabalho apresenta duas visões distintas, de um lado a ação sublime associada à emancipação e criatividade do homem, e que hoje é encarada como realização pessoal e social; e de outro lado a visão pejorativa atrelada a luta pela sobrevivência, a manutenção da vida desde a infância ao envelhecimento, vinculada a subempregos e até mesmo a falta deste (POCHMANN, 2006). Ao tentar reconstituir a evolução histórica da palavra trabalho, constata-se a existência de entendimentos distintos quanto a sua origem, mas encontra-se como denominador comum a conclusão de que ela está relacionada com a idéia de castigo, pena, tarefa penosa, fadiga e esforço, sendo ainda nos dias de hoje o trabalho caracterizado pela noção de esforço penoso. Além da noção de esforço, o trabalho tem ainda o caráter de obrigação, e encontra-se contextualizado por sua finalidade econômica (ALMEIDA, 2002).

A origem etimológica da palavra “trabalho” vem do radical romano labor, que é equivalente a palavra ponos, ou seja, pena. No Império Romano as pessoas que precisavam trabalhar para se sustentarem, consideravam a sua prestação de serviços como uma pena imposta a eles em favor de seus senhores. Já na França, a palavra travail (trabalho) teve origem em tripaliare que significa pena, tortura, ou fazer sofrer. Esta última, por sua vez é uma derivação de tripalium mais precisamente um instrumento de tortura com três paus, ou pontas de ferro, uma espécie de tridente como o associado ao deus Netuno e gravuras do diabo. A palavra travail designa também um tipo de dispositivo feito de várias traves as quais se prendiam os cavalos ou bois para serem ferrados (ALBORNOZ, 1997).

O trabalho, sem trair sua gênese histórica e social, mantém-se não só transformando a natureza, mas também, através das relações decorrentes do modo de produção dominante, a construir os sujeitos. As relações de trabalho, em se caminhar histórico, dissociou-se do sujeito que se transformou em força de trabalho e tornou-se resultado do sistema econômico alicerçado nas relações de dominação e exploração sendo atualmente concebidos como exercício da atividade humana, quaisquer que sejam a esfera e a forma sob as quais essa atividade seja exercida (ALMEIDA, 2002; KRAWULSKI, 1991).

Com as alterações conceituais sobre natureza e organização do trabalho, ditadas pela Revolução Industrial, ocorreram as mais profundas transformações de que se têm registro em toda a história do trabalho, sendo este atualmente configurado como atividade desenvolvida predominantemente de forma institucionalizada, mediante pagamento de salários e voltada à produtividade e obtenção de lucros, sob os auspícios da economia de mercado (DIMATOS, 1999).

Tais transformações ocorridas no mundo do trabalho ampliaram as discussões acerca do tempo, do corpo e do lazer e como estas se condicionaram a atual organização laboral. Para Dejours (1992), essa nova realidade gera elementos de insatisfação, medo, receio, angústia, dor, sofrimento, infelicidade e precarização das condições de trabalho; enquanto componentes das imposições na organização, quando este impõe rigidez de horários, de ritmo, de formação, de informação, de aprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de experiência, de rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos, de adaptação da cultura ou à ideologia da empresa.

Dentro dessa nova conjuntura, vinculada a implantação do sistema taylorista e ao sistema capitalista, encontra-se um trabalho que transformou o tempo em mercadoria e o lazer ("tempo de folga", "tempo livre" que se opõe ao tempo do trabalho) em um problema, pois de forma científica, o tempo passou a ser controlado e organizado em função do trabalho. Essa nova organização científica do trabalho tornou-se alvo de algumas discussões na saúde mental (MASLACH; LEITER, 1999; CODO, 1994; DEJOURS, 1992) e física do trabalhador (BASTOS JUNIOR et al, 2008; BARROS; SANTOS, 2002; MASLASH; LEITER, 1999).

Estas mudanças ocorridas nos perfis dos agentes econômicos e dos recursos humanos, resultado de exigências socioeconômicas, fizeram com que novas qualificações profissionais fossem demandadas obrigando os trabalhadores a acompanhar o ritmo frenético do processo de produção. Em muitas situações, essas novas qualificações implicaram a necessidade de uma formação mais ampla por parte dos homens. Todavia, na discussão sobre os avanços tecnológicos no trabalho, uma das hipóteses admitidas, e que de fato pode ser verificada em determinados setores produtivos, refere-se à desqualificação do trabalho provocada pela automação (ALVES; MANCEBO, 2005).

Na atual conjuntura socioeconômica percebe-se que uma série de mudanças ocorreram nos hábitos da população dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, ocasionando modificações na qualidade de vida das pessoas. Estudos apontam que o processo de urbanização estimulou a ocorrência de atitudes comportamentais, seja pelo avanço tecnológico, o qual proporcionou uma redução do gasto calórico para a realização do trabalho; quer seja pela falta de espaço físico adequado para as práticas de lazer, hoje substituído pelos jogos eletrônicos. Em um estudo realizado por Mellerowicz; Franz (1981) apud Glaner (2003) observa-se que o desenvolvimento industrial promoveu redução da atividade laboral em termos de quantidade e intensidade, apontando que, há 100 anos, a energia necessária para a realização do trabalho, operacionalizado pelo homem, era de 90% de sua capacidade muscular, sendo necessária na atualidade uma capacidade de apenas 1% (GLANER, 2003).

A mecanização do trabalho possibilitou aumento da inatividade física, tornando os trabalhadores mais propensos às doenças hipocinéticas, tais como os diabetes, hipertensão, obesidade, agravos cardiocirculatórios, entre outros. Aqueles envolvidos com atividade manual se predispõem a sofrerem agravos por movimentos repetitivos ou lesões agudas e, aqueles envolvidos com serviços os quais sofrem exposições ambientais, tais como poeiras, produtos tóxicos, ruídos, vibração, calor e frio excessivos, radiações, microrganismos, tensão, monotonia, etc., se predispõem a riscos físicos e psíquicos como perda de audição, queimaduras, estresse (MONTERO et al, 1998).

O constructo qualidade de vida passou a ser entendido, particularmente na década de 1960, como qualidade de vida subjetiva ou qualidade de vida percebida pelas pessoas, em grande parte influenciada pela Organização Mundial da Saúde, que ampliou o conceito de saúde para além da significação do crescimento econômico, buscando envolver os diversos aspectos do desenvolvimento social, atrelados ao bem-estar físico, mental e social (CAMPOLENA, 2006; NAHAS, 2006). Por outro lado, a satisfação no trabalho é um fator de produção tão importante quanto qualquer outro; quanto maior a adaptação e a auto-satisfação, maior a qualidade do serviço prestado (SILVA; PINHEIRO, 2005).

Considerando a Bioética e partindo do conceito de autonomia, entende-se que qualidade de vida é algo intrínseco, só possível de ser avaliado pelo próprio sujeito. E, mesmo que não haja um consenso a respeito da idéia de qualidade de vida, três aspectos fundamentais referentes ao construto de diferentes culturas devem ser respeitados: (1) subjetividade; (2) multidimensionalidade; (3) presença de dimensões positivas e negativas. Neste sentido, o conceito pode variar de pessoa para pessoa e tende a mudar ao longo da vida de cada um, pois nota-se que existe concordância, apenas, em torno da idéia de que são múltiplos os fatores que determinam à qualidade de vida de pessoas ou comunidades (NAHAS, 2001; FLECK, 1999; SEGRE; FERRAZ, 1997).

Podem-se identificar vários fatores que influenciam a qualidade de vida de um indivíduo, incluindo-se aspectos mais objetivos como condição de saúde, salário, moradia e aspectos mais subjetivos como humor, auto-estima, auto-imagem. Entretanto, independente do enfoque global ou específico os fatores sócio-ambientais e, mais especificamente, o contexto onde se estabelecem as relações da vida social e familiar, as vivências da realidade do trabalho, parece ter impacto significativo na qualidade de vida das pessoas (NAHAS, 2006; BARROS;SANTOS, 2000).

Ao procurar conceituar Qualidade, Sharkey (1998) observou que: [...] “sua definição inclui um grau de excelência; um atributo discriminante, enfatizando que a palavra qualidade é necessariamente uma resposta subjetiva e pessoal, não absoluta”.

Segundo Fleck, (1999):

“A expressão qualidade de vida foi empregada pela primeira vez pelo presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, em 1964, ao declarar que “os objetivos não podem ser medidos através do balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas”. O interesse em conceitos como “padrão de vida” e “qualidade de vida” foi inicialmente partilhado por cientistas sociais, filósofos e políticos. O crescente desenvolvimento tecnológico da Medicina e ciências afins trouxe como uma conseqüência negativa a sua progressiva desumanização. Assim, a preocupação com o conceito de “qualidade de vida” refere-se a um movimento dentro das ciências humanas e biológicas no sentido de valorizar parâmetros mais amplos que o controle de sintomas, a diminuição da mortalidade ou o aumento da expectativa de vida” (FLECK, 1999, p134).

Tendo em vista o enfoque global, seu entendimento aplica-se ao indivíduo aparentemente saudável e diz respeito ao seu grau de satisfação com a vida nos múltiplos aspectos que a integram, sendo definida pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL) como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (FLECK et al., 2000). Assumpção Jr. (2000) considera a qualidade de vida como “[...] um termo que representa uma tentativa de nomear algumas características da experiência humana, sendo fator central que determina a sensação subjetiva de bem-estar”. Enquanto Nahas (2006) classifica-a como a condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e sócio-ambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as condições em que vive o ser humano.

Segres; Ferraz (1997) consideram que [...] não existem rótulos de boa ou má qualidade de vida, sendo necessários indicadores que permitam a saúde pública elaborar suas políticas de intervenção. Por isso, o termo qualidade de vida, também, pode ser associado ao limite de desenvolvimento econômico, medido por indicadores tradicionais, como nível de renda, nível de emprego e de consumo e bens de serviço, tais como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), o qual reúne dados demográficos de mais de 170 países para comparar o padrão de vida entre nações ou regiões, através dos critérios: a) Escolaridade, b) Longevidade e c) Renda familiar per capita média. Neste prisma, qualidade de vida pode ser considerada tanto na perspectiva individual quanto social, sendo que, geralmente, os indicadores estatísticos citados acima caracterizam seu grau ou desenvolvimento humano existente (NAHAS, 2006; GUEDES, 1995).

A melhoria das condições de vida e da saúde de trabalhadores tem sido um tema de crescente importância no setor ocupacional já que impacta direta ou indiretamente a produtividade e a saúde das pessoas. Dessa forma, a qualidade de vida no trabalho é uma terminologia que tem sido muito usada, mas incorpora uma imprecisão conceitual. Sua origem pode ser encontrada no período pós-guerra, mas sua trajetória passa por vários enfoques. De acordo com Lacaz (2000) acredita-se que parte da crença que a qualidade de vida surgiu da reação individual do trabalhador as experiências de trabalho na década de 1960; ou que foram os aspectos de melhoria das condições e ambientes de trabalho, visando maior satisfação e produtividade na década de 1970, que levaram a expansão do tema.

Percebe-se que a qualidade de vida do trabalhador dialoga com noções como motivação, satisfação, saúde-segurança no trabalho, envolvendo discussões mais recentes sobre novas formas de organização do trabalho na perspectiva das novas tecnologias, na esperança de promover um envolvimento e motivação do ambiente de trabalho, propiciando assim um incremento da produtividade. Procura-se com a qualidade de vida no trabalho fazer com que a satisfação das necessidades individuais passe a ser alcançada no próprio ambiente de trabalho (GONÇALVES; VILARTA, 2004; LACAZ, 2000).

O trabalho é compreendido como toda transformação da natureza para beneficio do homem, além de necessário para a manutenção da vida humana, sendo um importante fator para definição das condições de saúde de cada individuo. Por isso, a análise e compreensão do ambiente de trabalho, é decisiva para a qualidade de vida do homem (Mafra et al., 2005). Assim, a idéia de qualidade de vida no trabalho procura amalgamar interesses diversos e contraditórios, presentes nos ambientes e condições de trabalho, em empresas públicas ou privadas. Interesses estes que não se resumem aos do capital e do trabalho, mas também aos relativos ao mundo subjetivo, aos valores, crenças, ideologias e aos interesses econômicos e políticos (LACAZ, 2000).

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